"And I said, Let me tell you a secret, about a father's love
A secret that my daddy said was just between us
I said daddies don't just love their children every now and then
It's a love without end, amen, it's a love without end, amen"
-- hoje cedo Love Without End, Amen do George Strait tocou aqui em casa, mas ninguém ouviu. Acho que só eu.
* * *
Ele não é muito bem humorado; na verdade, tem variações de humor de deixar perplexo. Não tem muita paciência com algumas coisas, mas tem toda a do mundo com outras para que eu não tenho. Fuma e tosse, mas se recusa a admitir a conexão entre um e outro, igual aos roncos que não o são. Dorme demais, talvez por querer fugir. Esquece de colocar dedicatória nos livros que me dá. Não tem muitos amigos, nem gosta muito de sair de casa, nem de viajar. Gosta de ver filme dublado, e fala que algumas comédias são "bonitas", o que me deixa intrigado quanto ao que isso quer realmente dizer. Lê livros espíritas, policiais, mas se recusa a encarar uma das minhas indicações. Dá exemplos que não têm nada a ver com a discussão, e às vezes simplesmente não ouve o que eu falo, quando não me contradiz dizendo exatamente a mesma coisa que eu. Tem mania de teimar em assuntos óbvios, acho que pra manter a conversa, ou vem conversar demais quando eu ainda estou entorpecido de sono de manhã.
Por outro lado, ele tem um coração de ouro. Nunca se recusa a ajudar a alguém, seja quem for, e acho que os colegas de serviço dele já perceberam isso faz tempo - afinal, quem mais ganha um ovo de chocolate de 2 kg da Kopenhagen de Páscoa? Prova de tudo que eu cozinho e diz que está gostoso, até o macarrão quando eu queimei o alho e o frango na cerveja, horrível. Me espera deitado no sofá da sala pra tomarmos sopa, ou às vezes vai deitar, mas deixa suco ou cachorro quente pra mim, bem no dia que eu estou com desejo de comer. Segura as pontas com as contas de casa, e não reclama disso. Dá uma risada gostosa que, embora rara, vale cada segundo quando eu a ouço. Ficou dormindo na sala, num frio do cão, só pra me fazer companhia quando eu precisei varar a madrugada fazendo um trabalho que valeu uma camisa preta bonita pra mim e uma noite mal dormida pra ele. Não leva pro sebo um livro de que nem gostou tanto só porque tem uma dedicatória minha. Deixa a luz do corredor acesa pra me ajudar a acordar, ou liga quando eu peço. Corre pra Poços quando minha mãe precisa de uma força, e aguenta os desaforos da minha avó quieto, nem por isso deixando de fazer o que é preciso. Se arrisca na cozinha e me faz uma omelete meio estranha, mas que me salva às vezes e caiu nas graças do Salsicha. Abraça meus amigos e minha namorada, como poucos fariam no lugar dele. Vai me buscar na Marginal sempre que eu peço, mas nunca pede que eu faça o mesmo em troca. Exagera e compra alguma coisa por demais tentando agradar, e a gente tem que pedir pra parar, seja abacaxi toda semana, ou a Lance quando eu morava em MG. Me disse que um dia todos os seus livros vão ser meus, sem saber que melhor que eles foi o gosto por eles que herdei dele. Compra manga e deixa picada pro café da manhã pra "visita", sendo que eu detesto manga. Apesar de não concordar muito, aceita quando eu apareço em casa com uns gringos perdidos que nem português falam, e ainda faz canja de galinha pra eles. Tem sido pra Ana Luísa o pai que o verdadeiro se recusou a ser.
Ouviu em alto e bom tom um "Quer saber, vai tomar no seu cu!" de mim, com raiva, e ainda assim me ama.
E eu, que sou tão "melhor", mais forte, mais preparado, sou um covarde, porque dou uma flor pro meu pai na colação de grau, mas não consigo chegar pra ele e dizer o quanto eu o amo.
A secret that my daddy said was just between us
I said daddies don't just love their children every now and then
It's a love without end, amen, it's a love without end, amen"
-- hoje cedo Love Without End, Amen do George Strait tocou aqui em casa, mas ninguém ouviu. Acho que só eu.
* * *
Ele não é muito bem humorado; na verdade, tem variações de humor de deixar perplexo. Não tem muita paciência com algumas coisas, mas tem toda a do mundo com outras para que eu não tenho. Fuma e tosse, mas se recusa a admitir a conexão entre um e outro, igual aos roncos que não o são. Dorme demais, talvez por querer fugir. Esquece de colocar dedicatória nos livros que me dá. Não tem muitos amigos, nem gosta muito de sair de casa, nem de viajar. Gosta de ver filme dublado, e fala que algumas comédias são "bonitas", o que me deixa intrigado quanto ao que isso quer realmente dizer. Lê livros espíritas, policiais, mas se recusa a encarar uma das minhas indicações. Dá exemplos que não têm nada a ver com a discussão, e às vezes simplesmente não ouve o que eu falo, quando não me contradiz dizendo exatamente a mesma coisa que eu. Tem mania de teimar em assuntos óbvios, acho que pra manter a conversa, ou vem conversar demais quando eu ainda estou entorpecido de sono de manhã.
Por outro lado, ele tem um coração de ouro. Nunca se recusa a ajudar a alguém, seja quem for, e acho que os colegas de serviço dele já perceberam isso faz tempo - afinal, quem mais ganha um ovo de chocolate de 2 kg da Kopenhagen de Páscoa? Prova de tudo que eu cozinho e diz que está gostoso, até o macarrão quando eu queimei o alho e o frango na cerveja, horrível. Me espera deitado no sofá da sala pra tomarmos sopa, ou às vezes vai deitar, mas deixa suco ou cachorro quente pra mim, bem no dia que eu estou com desejo de comer. Segura as pontas com as contas de casa, e não reclama disso. Dá uma risada gostosa que, embora rara, vale cada segundo quando eu a ouço. Ficou dormindo na sala, num frio do cão, só pra me fazer companhia quando eu precisei varar a madrugada fazendo um trabalho que valeu uma camisa preta bonita pra mim e uma noite mal dormida pra ele. Não leva pro sebo um livro de que nem gostou tanto só porque tem uma dedicatória minha. Deixa a luz do corredor acesa pra me ajudar a acordar, ou liga quando eu peço. Corre pra Poços quando minha mãe precisa de uma força, e aguenta os desaforos da minha avó quieto, nem por isso deixando de fazer o que é preciso. Se arrisca na cozinha e me faz uma omelete meio estranha, mas que me salva às vezes e caiu nas graças do Salsicha. Abraça meus amigos e minha namorada, como poucos fariam no lugar dele. Vai me buscar na Marginal sempre que eu peço, mas nunca pede que eu faça o mesmo em troca. Exagera e compra alguma coisa por demais tentando agradar, e a gente tem que pedir pra parar, seja abacaxi toda semana, ou a Lance quando eu morava em MG. Me disse que um dia todos os seus livros vão ser meus, sem saber que melhor que eles foi o gosto por eles que herdei dele. Compra manga e deixa picada pro café da manhã pra "visita", sendo que eu detesto manga. Apesar de não concordar muito, aceita quando eu apareço em casa com uns gringos perdidos que nem português falam, e ainda faz canja de galinha pra eles. Tem sido pra Ana Luísa o pai que o verdadeiro se recusou a ser.
Ouviu em alto e bom tom um "Quer saber, vai tomar no seu cu!" de mim, com raiva, e ainda assim me ama.
E eu, que sou tão "melhor", mais forte, mais preparado, sou um covarde, porque dou uma flor pro meu pai na colação de grau, mas não consigo chegar pra ele e dizer o quanto eu o amo.
7 comentários:
Thiago,
Leio seu blog "escondida" a um tempo. Gosto muito dos textos que escreve. Eles tem sinceridade poética!
Mas esse aqui superou todos... emocionante... lindo! Não há palavras pra descrever as milhares de reflexões que provocou em mim.
Uma certeza vc pode ter: ele sabe que vc o ama, mesmo sem que vc diga uma palavra a respeito!
Beijo
Nossa, até me deu um aperto no peito e muita saudade do meu pai! (12000km de distancia...)
Muitas vezes penso em ser mais carinhosa, expressar sentimentos com meus pais, mas nao consigo... ainda!
Muito bonito mesmo...
um dia a gente consegue!
Paula -CS
Nossa, Dani, que bom saber isso. Fico feliz em que esse post te deixou assim, porque pra mim mesmo ele foi um "parto", e quando eu acabei eu mesmo tava chorando. rs Agora, ele pode saber, mas ele tem que ouvir de mim. Isso é promessa pra mim mesmo, até.
Paula, quem manda ser chique e ir morar na Zorópa? ;)
Eu já havia falado “Eu te amo” pro meu pai (e pra minha mãe tb, mas as mães não estão em debate aqui, certo?) antes daquele momento, mas sabe quando caiu a ficha que eu precisava falar mais vezes? Na noite anterior à minha viagem pro Canadá.
Eu estava no MSN, conversando com um amigo que ainda mora em Toronto, quando este pensamento me veio: “Hoje posso sair do meu quarto e entrar na porta ao lado que vou encontrar meus pais pra poder dizer boa noite, perguntar se precisam de alguma coisa, pular na cama pro meu pai contar as histórias que só ele inventa pra mim... Dizer “Eu te amo”. Amanhã eu não vou ter essa opção.” Aí foi difícil. Quem disse que eu parava de chorar? Saí do Messenger, fui pro quarto deles, disse que os amava e empatei a noite dos meus pais dormindo lá. E não me envergonho disso!
Meu pai que mandava e-mails com dificuldade (ele sempre foi meio avesso à tecnologia), aprendeu a usar até webcam pra falar comigo durante o tempo em que estive fora. Quando voltei, durante uma das nossas conversas matutinas, ele pegou uma pasta e mostrou pra mim: havia imprimido todos os e-mails que trocamos durante a viagem. Eu mandava no mínimo um por dia. Eu fiquei muuuito tempo fora.
Hoje eu admito, sou arroz de festa quando se trata desse assunto. Falo isso pra ele a toda hora e quando eu não falo, ele pergunta.
E Paulo, vc pode AINDA não ter expressado isso com palavras, mas vc demonstra que o ama de muitas outras maneiras. Achei lindo vc ter dado uma flor pra ele no dia da formatura. Quer tradução melhor que AMOR pra esse gesto? Se alguém do meu curso traduzisse isso como FLOWER, seria reprovado na hora. ;-)
É... De todas as conversas que já tivemos sobre esse assunto, e olha que os nossos pais rendem bastante assunto...rs
Esse texto externalizou coisas q até hj não tinha te ouvido dizer, e outras tantas que já tinha, que imagino o parto mesmo.
De fato o texto e a reflexão são lindos. E a promessa pra vc mesmo, melhor ainda.
Puxa, hoje fui ver que vc respondeu o que comentei aqui!!hahaha
Imagino mesmo seu "parto"... digamos que o meu ainda está em gestação... e será pela minha mãe! Preciso e quero muito dizer tudo o que ela representa na minha vida... a importância que tem... o porque e qto a amo! Enfim...
E aí, falou com ele? Recebeu um abraço e um sorriso em resposta?
Beijo
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